terça-feira, outubro 11, 2005

Facínoras

“ O acto amoroso é um assassinato mútuo simbólico. E é por isso que a sua paz final se investe da imagem da morte. No instante máximo, no instante único, uma chama vazia e intensa destrói toda a realidade- a do mundo e de nós. Como no sono, como numa anestesia, esse instante final é inimaginável e inanalisável, porque nada nele existe verificável e real. (…). Que há de mais estranho do que toda a literatura -de ficção, de pedagogia, de moralização- erguida sobre a sexualidade? E é porque todo um mito complexo se estabeleceu aí que o homem pode hoje prolongar à metafísica um acto fisiológico elementar. O erotismo sublima-se assim, mas ainda à custa do seu interdito, ou seja do seu mito paradoxal. Jamais como hoje o problema sexual ocupou os literatos, os cientistas, os moralizadores, porque jamais como hoje se viveu o seu poder de valor que se exalta pelo implícito propósito de o destruir. (…) Que não se pense, todavia, ingenuamente, que a liberdade sexual é panaceia para a liquidação de todos os problemas - de todas as frustrações, de todas as ‘nevroses’: os países mais dados ao suicídio são justamente os mais dados à liberdade (e desinteresse) sexual…”
Vergílio Ferreira (1994), Invocação ao Meu Corpo. Lisboa: Bertrand Editora, p. 172.