sexta-feira, setembro 23, 2005

Contra a fusão (para mentes crescidinhas)

Na sociedade coeva, confundem-se conceitos e gera-se uma inadequada e imprópria para consumo geral confusão de elementos que estiveram bem delimitados no passado e que talvez devessem ficar ainda melhor demarcados na nossa época conturbada. Uma feira erótica, organizada por espanhóis ou não, seria simplesmente uma feira erótica há alguns anos atrás. Todavia, a verdade é que a feira erótica que decorreu na FIL (Feira Internacional de Lisboa) há uns tempos pouco teve de erótico, infelizmente.
No meu dicionário pessoal, erotismo e pornografia ainda aparecem separados; o único ponto de união é o corpo porque não se lhe pode escapar. Na realidade, não sou a única a acreditar que são dois conceitos distintos e reflectores de comportamentos muito diferentes. Porque, no e pelo erotismo os seres humanos podem revelar a própria natureza de forma sublime ou sublimável e pela pornografia esmeram-se em imitar a sexualidade animal. Em espanhol talvez percebam melhor: “…los animales no imitam al hombre pero el hombre imita la sexualidad animal. La imitación no pretende simplificar sino complicar el juego erótico y así acentuar su carácter de representácion. El sentido creador de esta imitación se nos escapa si no se advierte que es una metáfora: el hombre quiére ser lión sin dejar de ser hombre”. O mesmo autor constrói um definitivo muro semântico: “..el erotismo es sexual, la sexualidad no es erotismo. El erotismo no es una simple imitácion de la sexualidad: es su metáfora”. (Octávio Paz citado por David Mourão-Ferreira, 1989, Os ócios do ofício. Lisboa: Guimarães Editores).
Para mim, o erotismo é equilíbrio e colabora na ordem natural das coisas, a pornografia é um artifício obsceno e responsável por muitos desequilíbrios e desigualdades. “E é no equilíbrio entre o ‘anjo’ e a ‘besta’ que está o homem. Que a obscenidade ‘excite’ em vez de promover a ‘repulsa’, é sinal de que o tabu medievo ainda pesa. Um corpo nu não é obsceno, como o não é o acto amoroso: obscena é a redução de tudo isso ao que apela estritamente para uma sugestão de repelência e degradação. (…) Defender hoje a obscenidade não é redimir e libertar o sexo, mas justamente denegri-lo ainda. Em verdadeira e desejável mas equilibrada liberdade sexual- que é a libertação do absurdo e desastroso tabu- a obscenidade é insultuosa, se não é apenas ridícula…” (Vergílio Ferreira, 1994, Invocação ao Meu Corpo. Lisboa: Bertrand Editora, p.170).