segunda-feira, março 13, 2006

Histórias de amor (take two)

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
(…)
Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. (…).
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. (…)
Porque é que é sempre nos momentos em que nos sentimos mais cansados ou mais felizes que sentimos mais a falta das pessoas de quem amamos? O cansaço faz-nos precisar delas. Quando estamos assim mais ninguém consegue tomar conta de nós. (…) E a felicidade faz-nos sentir pena e culpa de não a podermos participar. É por estarmos de uma forma ou de outra sozinhos que a saudade é maior.
Mas o mais difícil de aceitar é que há lembranças e amores que necessitam do afastamento para poderem continuar. (…) Às vezes, a presença do objecto amado provoca a interrupção do amor. (…).
As pessoas nunca deveriam morrer, nem deixarem de se amar, nem separar-se, nem esquecer-se, mas morrem e deixam e separam-se e esquecem-se.
(…)
E quando alguém está sempre presente? Quando é tarde. Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar atrás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar. Como é que se pode esquecer o que só se consegue lembrar? Aí está o sofrimento maior de todos.”

Miguel Esteves Cardoso (1991), Último Volume. Lisboa: Assírio & Alvim.