quinta-feira, abril 01, 2010

Medo (2)

Lembro-me de há algum anos ouvir uma colega repetir vezes sem conta antes de um exame: «Fear is the killer of the mind.» A afirmação servia-lhe, provavelmente, de tentativa de negação e afastamento do que sentia naquele momento sob a forma de nervosismo e que não era senão medo.
O medo não é atípico, quer no ser humano, quer no mundo animal, sendo mesmo omnipresente. De seguida, apresento excertos que condensam o que de melhor já li sobre o tema, citando o professor Joseph LeDoux no livro "O cérebro emocional - As misteriosas estruturas da vida emocional"(a).

Medos de ontem, medos de hoje
Em primeiro lugar, uma comparação entre o medo nas nossas origens e nos dias de hoje. Na génese, o perigo provinha, sobretudo, da inferioridade dos humanos face a animais selvagens. «É certamente verdadeiro que, em comparação com os antepassados primatas (...) os seres humanos criaram um modo de vida em que a probabilidade de enfrentar predadores é amplamente reduzida. Mas nem todos os perigos surgem sob a forma de animais sanguinários. As cobras e os tigres são raros nas cidades modernas, excepto em jardins zoológicos, onde observar animais perigosos em cativeiro reforça a nossa esperança de que a vida está segura. Porém, na nossa luta por dominar a natureza, criámos novas formas de perigo. Automóveis, aviões, armas e energia nuclear dão-nos um maior distanciamento da vida selvagem, mas todos eles constituem igualmente uma fonte potencial de danos. (...) Os perigos que enfrentamos não são nem em menos quantidade nem menos significativos do que aqueles que enfrentavam os nossos antepassados; são apenas diferentes.
Mesmo uma análise superficial da quantidade de formas em que o conceito de medo pode ser expresso através da linguagem verbal revela a sua importância nas nossas vidas: alarme, espanto, preocupação, desvelo, apreensão, desfalecimento, inquietação, desassosego, prudência, nervosismo, irritabilidade, ansiedade, sobressalto, susto, pavor, angústia, pânico, terror, horror, consternação, tensão, desalentado, distraído, ameaçado, defensivo.» Alguns destes substantivos terão sido centrais na filosofia existencialista. Da lista longa, retiraria somente o «distraído» por achar que não se adequa inteiramente ao medo. Alguns deles terão sido centrais na filosofia existencialista.
O autor continua abordando o medo por detrás de algumas emoções: «É possível encontrar provas do medo subjacente a muitos tipos de emoções que, à primeira vista, parecem ser a antítese do medo. A coragem é a capacidade de superar o medo. Em certa medida, as crianças aprendem a ser bem comportadas, por medo do que poderia ocorrer se não o fossem. As leis reflectem o medo que temos das perturbações sociais e, pela mesma ordem de ideias, a ordem social é mantida, apesar de forma imperfeita, pelo medo das consequências de transgredir as regras. A paz mundial é um objectivo humanitário desejável, mas na prática, a guerra é evitada, pelo menos, em parte, porque os fracos temem os fortes. Estas afirmações são secas e eventualmente exageradas, mas ao memso tempo enquanto verdades parciais, elas salientam quão profundamente o medo está imerso na estrutura mental dos indíviduos.» De facto, eu não diria melhor de qualquer outra forma.

Patologia
Tal como acontece em relação a outras emoções, o excesso ou desajustamento do medo significa a entrada no ramo patológico com problemas psiquiátricos reconhecidos e cruciais no seio da psicopatologia, dos quais o autor salienta desde logo as fobias:

«As fobias são medos específicos levados ao extremo. Os objectos fóbicos (cobras, aranhas, as alturas, a água, os espaços abertos, as situações sociais) são muitas vezes legitimamente ameaçadoras, mas não na medida em que o indivíduo fóbico os entende. As perturbações obsessivo-compulsivas, frequentemente, envolvem um medo exagerado de qualquer coisa, como os germes, e os pacientes entram numa dinâmica de rituais compulsivos para evitar o objecto ou o acontecimento temido ou para se libertarem do objecto do medo, quando o enfrentam.»


(a) Edição original americana: "The emotional brain - The Mysterious Underpinnings of Emotional Life", Simon & Schuster, USA, 1996. A tradução do original foi editada pela Pergaminho em 2000.

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