quinta-feira, junho 30, 2005

O aborto: oui/non

Lembro-me de há alguns anos atrás ficar extremamente frustrada aquando a realização do referendo sobre o aborto porque não podia, sendo menor e não recenseada, exercer o meu direito e dever de voto. Teria na altura 16 ou 17 anos mas, tal como ainda hoje, era contra a legalização desta prática e simpatizava com a despenalização, se a memória não me atraiçoa.
De facto, hoje, de novo apenas tenho a melhor fundamentação das minhas opiniões, imprimindo em cada uma delas o máximo de espírito crítico e racionalidade possível. Ou seja, no essencial, os meus argumentos mantêm-se inalterados. Passo, então, a divulgá-los.
Em primeiro lugar, alguns argumentos pró-legalização denunciam tendencialmente que não se trata de uma questão de moralidade. Eu refuto esta ideia no sentido em que o conceito de moralidade, o meu e de muitos, inclui não só um conjunto de regras mas também de direitos e deveres perante o próximo. Ora, o aborto é uma questão de moralidade pública e social (como o são a eutanásia e a pena de morte) que deve ser dissociada de quaisquer credos religiosos ou cores políticas é certo, mas que deve ter uma regulamentação conforme a ética e as condições/capacidades socio-económicas possíveis num país como Portugal. Com efeito, Portugal não pode ser colocado em pé de igualdade em termos de indicadores sociais e económicos com os países onde a prática do aborto e mesmo as drogas consideradas “leves” foram encaixadas nos parâmetros do legal, do mais ou menos moralmente aceite. É óbvio que os resultados jamais poderão ser idênticos. Esta é a vertente pragmática.
Em segundo lugar, cabe-me advertir para o facto de “o direito a dispor do próprio corpo da forma que quiser”, como advogam as partidárias da legalização, ser um argumento simultaneamente válido e refutável. Validez atribuo-lhe porque não contesto a nova vaga de alterações artificiais do corpo humano que corre o país e o mundo. Esboço uma refutação por achar que esse direito começa na profilaxia e no evitar da formação e desenvolvimento progressivo de uma futura criança e termina no momento em que é concebida. Este é um problema, se assim lhe quiserem chamar, para o qual já existem muitas soluções e eficazes. O aborto não deve ser vulgarizado e encarado como uma solução para problemas até porque estes correm o risco de não serem sanados com tal prática. Não creio que o aborto e sua prática sistemática sejam benéficos em termos físicos e psicológicos para uma mulher. O aborto não é um método de controlo da natalidade porque se mantém a questão da gravidez não desejada.
Por outro lado, não acho que a questão se deva colocar em termos de maior ou menor conservadorismo, mas sim de maior ou menor egocentrismo e individualismo. Pergunto-me porque são sobretudo os países mais desenvolvidos e, paradoxalmente, com maiores desequilíbrios nas suas pirâmides etárias devido ao envelhecimento e baixas taxas de natalidade e aumento do flagelo da infertilidade, a pensar e implementar a legalização/liberalização do aborto?!
Por fim, defendo que se deva aliviar a penalização. O aborto, na minha opinião, não deve ser considerado crime nas mesmas condições em que um assassínio o é e muito menos devem apenas ser encarceradas apenas as mulheres porque o feto eliminado foi fabricado a dois. Defendo, sim, que as mulheres que o façam devem ser posteriormente castigadas com cursos intensivos de planeamento familiar e educação sexual, bem como os homens que as levam ou obrigam a abortar. Está na altura de os homens deixarem de ficar incólumes em assuntos de responsabilidade partilhada.

Sorry

Aníbal Cavaco Silva é o meu eterno candidato à presidência da República, entre outros motivos porque, a meu ver, teve a grande virtude de se guiar sempre pela humildade e coragem no seu percurso e por ter afirmado sabiamente: “sempre pensei que boa parte dos que na comunicação social se auto-intitulam insistentemente de esquerda procuram apenas o gozo pessoal ou o aconchego das consciências porque, no concreto, nada se preocupam com a situação dos mais desfavorecidos” (Cavaco Silva, Aníbal, 2002, Autobiografia Política, vol. I. Lisboa: Temas & Debates, p.262). Touché!

A hibridez

Manifestamente anti-chacota de uma licenciatura que me orgulho de deter, escrevo a revolta que a troça frequente em vários comentários e folhetins humorísticos me provoca, pese embora com alguma condescendência para com os cínicos que os tecem.
A revolta surge, em primeiro lugar, quando se colocam dúvidas acerca da utilidade ou mesmo das competências que os licenciados em Relações Internacionais (RI) possuem e sobre as dificuldades que temos em convencer, ao contrário de um licenciado em Economia ou Direito ou até mesmo Línguas e Literaturas Modernas, as entidades empregadoras ou mesmo alguns sectores da opinião pública de que existem cargos para nós para além das “relações públicas/externas”.
Reduzir quatro ou cinco anos de aquisição de conhecimentos de história, filosofia política, geografia, economia, estratégia militar e empresarial, diplomacia, política externa, sociologia, negociação, direito, já para não mencionar o cultivo da leitura eclética (que pode ir desde Calvin & Hobbes, até Henry Kissinger, mas passa invariavelmente pela observação da imprensa e media locais, nacionais e internacionais), a nada ou quase nada, é simplesmente contraproducente e estúpido quando seriamente deliberado.
Acima de tudo, somos dotados de espírito crítico. Mas não só! Ser licenciado em Relações Internacionais é não ter uma profissão definida mas ter capacidade para a criar e ajustar os nossos conhecimentos à vontade de contrariar a inércia. Se sabemos um pouco de tudo somos capazes de fazer um pouco de tudo. Ser licenciado em RI é ser, indubitável e minimamente atento e open-minded porque a nossa curiosidade, o humanismo e tolerância a isso obrigam, mas também querer actuar quando tantos outros apenas lamentam e choram catástrofes internacionais olhando imagens televisivas recolhidas nos confins do planeta. Ou não estivéssemos nós na era do sofrimento pós-moderno, no qual interessa espiar sádica e masoquistamente a dor e as perdas dos outros nos media.
Já a condescendência para com quem critica a licenciatura surge da constatação de que sendo uma área de estudo recente e dada a velocidade do desenvolvimento intelectual em Portugal, se torna difícil para a maioria dos portugueses, escravos/adeptos do senso comum e do demasiado óbvio, perceber qual o contributo para a sociedade, para uma empresa ou Estado, de um licenciado em Relações Internacionais. Pois, é que o nosso contributo ultrapassa quaisquer patriotismos, fronteiras e, acima de tudo, provincianismos. Mentalmente podemos ser cidadãos do mundo e manter simultaneamente orgulho do ermo onde nascemos, crescemos e/ou habitamos.
Porque o mundo é pequeno e ao mesmo tempo suficientemente grande para dar que pensar a tempo inteiro, existem licenciados em Relações Internacionais. Com orgulho, coragem e o cinismo tão magnânimo que nos confere o direito de zombarmos de nós próprios!

sexta-feira, junho 24, 2005

À beira nada

Um livro extremamente motivante de se escrever (porque a raiva é um motor com muita potência), embora não com boas expectativas relativamente às vendas, seria o diário de um desempregado qualificado em Portugal. Eu escreveria fundamentalmente sobre a frustração de sentir na pele a injustiça de ser forçada à inactividade enquanto pessoas com menos qualificações ocupam lugares de destaque no aparelho económico e político do país. Talvez aí se encontre a base de muitas misérias deste país: incompetência, a ignorância e a boçalidade são promovidas ao mais alto nível.
Aproveito para recomendar a leitura integral do ensaio de Fernando Dacosta intitulado “Terrores Brancos” publicado na Visão nº 625, 24 de Fevereiro a 2 de Março do qual sublinho aqui a sagacidade e o poder da seguinte afirmação: “Só os filhos-famílias de famílias dominantes (na direita, no centro e na esquerda, na economia, na política e nos lobbies) dispõem de privilégios garantidos, defendidos. Portugal continua a ser, mentalmente, uma monarquia- não de sangue azulado mas de compadrio adensado, não de aristocratas aquosos mas de padrinhos gordurosos.”

quarta-feira, junho 01, 2005

Ceteris paribus

Stranded in the middle of nowhere. Pouca sorte, diria a Débora.